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Acervo pessoal - Jornais e Memórias





*Entrevista cedida por Inimá de Paula ao Jornal Pampulha de 06/12/97 por Paulo Navarro

Simplicidade e luxo

Á maneira de Rubem Braga, Tom Jobim e Guimarães Rosa, gostaríamos de apresentar o trabalho do artista plástico Inimá de Paula comparando-o à glória de um pavão, ostentando o esplendor de suas cores, principalmente o azul, um luxo imperial.Todas aquelas cores não existem na pena do pavão. Não há pigmentos. O que há são minúsculas bolhas d'água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de palheta e pincéis.
Este luxo do grande artista, atingir o máximo de matizes com o mínimo de elementos.De água  e luz ele faz seu esplendor; seu grande mistério é a simplicidade.
As cores de Inimá em sua imperial simplicidade nos cobre de glórias e nos faz magníficos.
Inimá de Paulam que completa 79 anos neste mês de dezembro, é mineiro e carioca, parisiense do Ceará, brasileiro do mundo. "O resto é o calado das pedras, das plantas bravas que crescem tão demorosas, e do céu e do chão, em seus lugares".

Pampulha: O sobrenome de Paula não poderia ser mais português.E o Inimá?
IP: É este nome "de Paula" tem origens portuguesas e espanholas, já o Inimá é indígena.Meu pai morava numa região onde havia muito índio e ele era uma pessoa muito patriota, nacionalista, então colocou estes nomes indígenas da família toda.Meus irmãos se chamam Jurandir, Moacir, Iracema e eu, Inimá.

Pampulha: Nós estamos no seu ateliê/ apartamento, na Barroca, muito organizado, limpo.Me fale um pouco sobre ele.
IP: A parte de cima é uma "galeria". Com alguns trabalhos dos amigos, colegas. Tem uma área onde ficam o som, televisão, a parte de diversão. Tem também a área do ateliê, a parte do trabalho com toda esta  parafernália de objetos.É meu mundo.

Pampulha: E esta televisão ali atrás? Você não vê televisão enquanto pinta, né?
IP: Não, esta televisão é um instrumento para facilitar o meu trabalho. Faço a minha pintura, mas utilizo de arranjos audiovisuais que facilitam meu trabalho.

Pampulha: E a Barroca? Você já pintou seu bairro?
IP: Já, esta parte aqui de cima, explorei muito, todas estas ruas, até lá embaixo, a avenida Silva Lobo, pintei muito. Gosto muito da Barroca, não tem barulho, tem acesso fácil a tudo que preciso, menos ao material de pintura, aí eu vou ao centro pra comprar. Compro as tintas quando viajo.

Pampulha: Há quantos anos você mora na Barroca?

IP: Vinte e tantos anos.

Pampulha: Você nasceu em Itanhomi.Outro nome indígena na sua vida?

IP: É, outro. Nasci e saí de lá nos braços de minha mãe, eu tinha sete meses e minha família já estava mudando para o Espírito Santo, onde moramos uns três anos.

Pampulha: E depois?
IP: Bom, com três anos minha família foi para Mutum, perto de Aimorés. Fui criado e estudei lá até os 17 anos. Emtão, perdi meus pais, não tinha nada pra fazer lá e fui embora para Juiz de Fora, onde servi o exército, "aquelas coisas de soldado". Fiquei mais um ano em Juiz de Fora e depois desci para o Rio de Janeiro, com uma muda de roupa e um par de sapatos.
  
Pampulha: Foi no Rio que começou a pintar?
IP: Não, em Juiz de Fora eu já desenhava e pintava, mas tudo num caráter prático e de iniciação à arte, mais ou menos em 38,39. Em 1940 eu já estava no Rio.

Pampulha: Foi nesta época que conheceu Portinari?
IP: Não, Portinari foi depois. Quando morei no Rio, até 45 eu trabalhava com arte, mas de outro tipo, ligado à fotografia, uma coisa mais comercial, não tinha grande importância como fator artístico.Eu aproveitava o tempo livre para fazer uma pintura mais natural, conhecia bem o Rio e seus bairros. Pintava muito Rio Comprido, Santa Tereza, todos estes bairros populares do Rio eu conhecia.

Pampulha: Mineiro gosta muito de mar, você pintava paisagens marítimas?
IP: Pintava. Uma vez pintei uma marinha pequena. O jornal do Brasil deu uma nota, fiquei muito contente porque foi a primeira marinha que pintei. Uma marinha bonita, meio "pancetiana" e eu nem conhecia Pancetti. Depois nunca mais pintei marinha, só fazia paisagem urbana, gosto muito de paisagem urbana.

Pampulha: Por quê?
IP: Por que tem gente e eu estou vivendo dentro dela, estou vivendo esta grande cidade e seu grande movimento.

Pampulha: Em 45 você foi para o Ceará, por quê?

IP: Por motivo de sobrevivência. Eu ganhava pouco vom aquele trabalho mais comercial e um amigo meu me falou: 'Estou indo para o Ceará, vou levar um pessoal, você quer ir?'. Eu disse: "Quero". E ele: "Quanto é que você quer ganhar?" E eu: "1500". Mil e quinhentos era muito, ele ofereceu 1300. Pegamos um avião da força aérea. Saímos de manhã, à tarde estávamos no Ceará, onde fiquei um ano.

Pampulha: Como era a vida no Ceará?

IP: Bom, eu trabalhava e pintava nas horas vagas, domingos e feriados. Aproveitei para estudar também, comprei livros, me aprofundei em teoria da arte. Lá não tinha muita distração e distração é bom, mas até certo tempo, depois atrapalha o serviço da gente.A diversão melhor era pintar.